15 novembro, 2011

MARIA CELESTE WANNER E VALTER ORNELLAS 14a JORNADA DO CENTRO INTERNACIONAL DE ESTUDOS PEIRCEANOS - PONTIFICIA UNIVERSIDADE CATOLICA SAO PAULO - PUC-SP

MARIA CELESTE DE ALMEIDA WANNER E VALTER ORNELLAS

ARTIGO APRESENTADO NA 14a JORNADA DO CENTRO INTERNACIONAL DE ESTUDOS PEIRCEANOS - CIEP - PONTIFICIA UNIVERSIDADE CATOLICA SAO PAULO - PUC-SP - 18 DE OUTUBRO DE 2011


EQUIVALENTS: ALFRED STIEGLITZ E O DESPELHAMENTO NA FOTOGRAFIA CONTEMPORÂNEA

Maria Celeste de Almeida Wanner
Universidade Federal da Bahia –UFBA
Valter Ornellas - Orientando
Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais
Universidade Federal da Bahia –UFBA

Resumo
Através da Semiótica Peirceana, propomos reflexões sobre aspectos de contemporaneidade nas fotografias de nuvens – Equivalents - de Alfred Stieglitz, reconhecidas como os primeiros registros fotográficos de teor abstrato. No século XXI, o objeto do signo na fotografia, ao invés da mimese indicial, passou a ser investigado como objeto reinventado, despelhado.
Palavras-chave
Charles Peirce; Semiótica; Objeto-Signo; Alfred Stieglitz; Fotografia contemporânea; Despelhado.

Abstract
Through out Peircean Semiotics, we propose reflections about aspects of contemporary in the photographs of clouds – Equivalents - of Alfred Stieglitz, recognized as the first photographic records of abstract content. In the XXI century, the object of the sign of photograph, instead of the mimese, indicial, passed it to be investigated like object reinvented, mirrorless.
Keywords
Charles Peirce; Semiotic; Object-Sign; Alfred Stieglitz; Contemporary Photography; Mirrorless.

Mídia a ser usada em apresentação oral
Computador PC, projetor e tela.

1. Introdução
O advento da fotografia causou grande frisson em vários campos de conhecimento e na sociedade do final do século XIX. Atraiu a curiosidade de intelectuais, cientistas e artistas. Surgia no mundo um equipamento que poderia dar conta da representação do “real” com verossimilhança, precisão, uma relação à ideia de espelhamento. Isto resultou em um dos mais importantes paradigmas culturais, e após mais de um século, a fotografia continua a desafiar teorias e fomenta diversos discursos sobre sua técnica e sua função, ou seja, ser arte e ser funcional, ao mesmo tempo.
Na contramão de algumas teorias, a exemplo de Roland Barthes que, em “A Câmara Clara”, diz que, numa fotografia, “aquilo que se vê no papel é tão real quanto aquilo que se toca” (BARTHES, 1984, p.71), propomos uma desconstrução dessa afirmação sobre uma representação impossível de ser avaliada à luz de uma realidade impermanente. Digamos que além da referência ao espelho, ou espelhamento, surgiu também a metáfora, a fabulação, entre outros conceitos.
Na contemporaneidade, o discurso teórico não possui dicotomia e, assim, a fotografia deve ser vista tanto como signo indicial, quanto tantos outros possíveis: híbridos, icônicos, simbólicos, imaginários etc., visto que ela sempre pertenceu ao universo – signo – do fascínio, do sagrado, da perda, do tempo, da memória, das lembranças, da perpetuação, do deter um determinado momento, enfim, do instantâneo. Esse último tão peculiar à fotografia, o Instantâneo, é sem resto de dúvidas o Tempo, que pode reverter e romper com todas as noções de linearidade e abrir espaço para um devir especular.
A partir de uma nova categoria da fotografia, voltamos nosso olhar a essa técnica que teve um desenvolvimento sem igual na história da arte sem perder de vista as devidas transformações, e Alfred Stieglitz não mediu esforços para que ela se tornasse uma das mais belas expressões da criatividade humana. Ao invés de uma celebração do referente do signo fotográfico, a fotografia contemporânea celebra um momento de liberdade de cânones tradicionais e se permite estar relacionada a outros signos, presentes na semiótica de Charles S. Peirce. Em sua teoria triádica, a fotografia pode ser um signo indicial, bem como um signo icônico. Vejamos nas palavras de Lucia Santaella e Winfried Nöth (1998, p. 150 - 175), a seguir:

Nem todas as fotografias são indexicais no mesmo grau. Há aquelas que tendem à primeiridade, ao quali-signo, como aquelas artísticas, de padrões estruturais abstratos. Embora tais fotos estejam intimamente ligadas aos quali-signos da pintura abstrata, é suficiente saber que se trata, no caso, de fotos para se chegar à conclusão de que são sin-signos. Em vez de funcionarem de maneira dicente como fotos identificadoras, essas fotos são meros signos remáticos e pertencem, assim, do ponto de vista da sua relação com o interpretante, à categoria da primeiridade. Há outras que tendem à terceiridade, como aquelas científicas e as fotografias de propaganda, onde o fotógrafo até pode apresentar algo individual, mas seu objetivo é generalizar. [...] pode-se afirmar que o paradigma pré-fotográfico é o universo do perene, da duração, repouso e espessura do tempo. O fotográfico é o universo do instantâneo, do lapso e interrupção no fluxo do tempo. O pós-fotográfico é o universo evanescente, em devir, universo do tempo puro, manipulável, reversível, reiniciável em qualquer tempo.

Nesse contexto, a imagem semiótica expande-se do indicial ao objeto arte e, nesse processo, abandona o conceito de espelho para priorizar as relações entre obra e identidades, em busca de rastros, marcas que possam existir entre o signo e o objeto.
Krauss (2002) traz considerações significativas para o âmbito dessa reflexão, sobretudo quando afirma que no inicio de seu advento, a fotografia do século XIX possuía caráter quase místico, na qual a ciência se mistura ao mágico e misterioso. Sua história deve ser pensada segundo luz própria, sem tomar da história da arte moderna conceitos e posições.
Krauss (1979, p.122) ainda retoma alguns movimentos modernistas como o Dadaísmo e o Surrealismo para discutir a fotografia a partir de uma busca pela representação de uma “natureza convulsada”, i.e., a fotografia como representação de um tipo de realidade de nova significação, a realidade transmutada em signo. Essa posição está associada aos artistas surrealistas que trabalharam com a fotografia manipulada tecnicamente. Como característica desse movimento artístico, a realidade material era sempre vista como signo imagético, algo a ser decodificado. Assim essa associação se dá pela possibilidade de um meio de expressar idéias, e não apenas de representação do real. Ainda ao associar a fotografia contemporânea com o modernismo, essa teórica considera a série Equivalents, de Alfred Stieglitz, um recorte fotográfico responsável pela transformação da realidade em signo, i.e., o recorte é o próprio signo.

2. Alfred Stieglitz: Equivalents
Por que essa série de fotografias de nuvens do notável norte-americano Alfred Stieglitz (1864 – 1946) é considerada abstrata e possui índices de contemporaneidade?
No Modernismo, a abstração era pictórica e Equivalents caracteriza nuvens, e a maioria delas mostra apenas fragmentos do céu sem horizonte.
De acordo com Hirsch (2000, p.239), através dessas fotografias, Stieglitz queria libertar o conteúdo de uma interpretação literal, e, como tal, essas fotos são consideradas as primeiras obras de arte fotográficas abstratas.
Esse virtuoso investigador na técnica da fotografia pesquisava os processos de captação, lentes apropriadas e revelação, tendo iniciado essa série em 1887, na Itália. Ao se deparar com cada negativo fotográfico, Stieglitz acreditava estar perto do resultado esperado, mas havia algo ali que não o deixava satisfeito.
Sua primeira série, composta por 10 fotografias, que ele denominou de “Music: A Sequence of Ten Cloud Photographs” ou “Clouds in Ten Movements”, foi uma homenagem ao compositor norte-americano Ernest Bloch. Já o conjunto de 10 fotografias, “Songs of the Sky”, apresentado pela primeira vez em 1923, em uma exposição individual em Nova Iorque, teve produção de catálogo onde Stieglitz descreveu que essas eram segredos dos céus revelados por sua câmera. Pequenas fotografias, revelações diretas do mundo do homem no céu - documentos de uma relação eterna – talvez até uma filosofia.
Consideradas abstratas pelo fato de não haver um referente específico, pela própria intenção de Stieglitz em não reconhecer ou querer negar seu signo indicial, muitas vezes elas eram expostas em diversas posições. Viradas para diferentes lados, de ponta cabeça, para que pudessem ser observadas como signos icônicos, pelas suas qualidades de sensações. Nesse caso o objeto do signo, na teoria peirceana, encerra qualidades sensoriais, de tonalidades, de luz, de claro e escuro, mancha sem formas nitidamente definidas. Segundo Sarah Greenough (1995, p.132), muito embora Stieglitz não negasse que eram fotografias de nuvens, ele buscava desestabilizar a relação do observador com a Natureza, para que a mesma não predominasse como tema. Seu objetivo era fazer o observador pensar mais sobre o sentimento, e não apenas na formação de nuvens. Ainda para essa historiadora:

Os Equivalentes são fotografias de formas que perdem sua identidade, e nas quais Stieglitz apagou todas as referências da realidade que normalmente são associadas à fotografia. Não há nenhuma evidência de como situar estes trabalhos com o tempo ou lugar. E com exceção do olhar moderno, nada indica se foram registradas no Lago George, na cidade de Nova Iorque, Veneza, ou nos Alpes. [...] Com exceção de o olhar moderno das impressões de prata de gelatina, eles podiam ter sido feitos em qualquer tempo desde a invenção de fotografia. [...] Nossa incapacidade em localizá-las em um determinado tempo ou lugar, força-nos a ler o que nós sabemos sobre fotografias de nuvens como fotografias de abstrair formas. (GREENOUGH, 1983, pp. 24–25) Tradução nossa.

Stieglitz busca a categoria de Peirce, a Primeiridade, pura sensação de qualidade. E, a partir de então, a série Equivalents passou a ser vista da maneira como Stieglitz a concebeu, além de uma mera representação da realidade, mas, também, como uma maneira de proporcionar ao observador uma emoção, algo transcendente. Para Stieglitz, essas fotografias eram o que nós podemos traduzir como jogo semiótico, sem unidade, com definições diversas, fora de uma ordem seqüencial. Jogos que devem ser vistos, ainda segundo Greenough (1983, p. 24-25), como: "construções totalmente artificiais que não espelham a passagem de tempo real, mas a mudança e fluxo do estado subjetivo do Stieglitz". Tradução nossa.
Stieglitz, nunca perdeu contato sobre o que era a fotografia em todos os seus aspectos. Sabia da importante ligação entre a fotografia e a paisagem, bem como a espiritualidade presente na natureza. As nuvens na fotografia também adicionam qualidade luminística à imagem, em que há uma pausa nelas, e sobre as montanhas, onde a luz do sol brilha. Além de fotógrafo, Stieglitz buscava a harmonia musical na fotografia e nela se inspirava para compor suas imagens.

Quando eu sou movido por algo, eu sinto um desejo impetuoso de fazer um equivalente durável. Mas o que eu represento deve ser tão perfeito como a experiência que gerou meu sentimento original. (NORMAN, 1960, p. 39) Tradução nossa.

Do ponto de vista formal, Equivalents foi concebida como uma variação de grupos de imagens. Ou seja, elas podiam ser equivalentes umas às outras, e sua repetição, agrupação e serialidade antecede ao Minimalismo e à Arte Conceitual. Para Greenough (2000, p. ix), “Stieglitz foi talvez a figura mais importante na história das artes visuais da América.” Não apenas como fotógrafo, mas como colecionador, curador, dono de galeria, editor, promotor e descobridor de tantos fotógrafos e outros artistas, Stieglitz teve atuação significativa para a consolidação da Arte Moderna.
Stieglitz esteve envolvido durante toda sua vida em perguntar se a fotografia podia atingir um estado autônomo de arte. Sua resposta ocorria através de Equivalents, longe de pensar a fotografia como um gesto mecânico de apenas apertar um botão.
Para Krauss (1979, p.130), estas questões eram exatamente as mesmas que foram suscitadas na arte modernista quando se desenvolveu a abstração extrema. Assim sendo:
[…] não há bastante trabalho em ela qualificar-se como uma obra de arte; que em sua redução é demais mecânica para ser uma imagem de arte; que em sua abstração sua linguagem é demais privada para funcionar como comunicação ao nível de arte. Tradução nossa.

Stieglitz mostrou que era possível estabelecer a fotografia como um meio próprio, inserindo e querendo tornar visível na sua obra o espiritual visível em formas abstratas. O assunto escolhido por Stieglitz, nuvens, fora talvez insignificante, mas adquiriu outro significado, além de seu estado como nuvens; sua variação em forma, textura e luz podiam evocar um alcance ilimitado de associações. Esta é a razão pela qual Stieglitz os batizou com o nome de "Equivalentes", até como forma de liberar o meio fotográfico de sua ligação ao mundo físico.
O encontro entre trabalho e espectador era um importante questionamento para a fotografia se tornar cada vez mais considerada arte e autônoma. Stieglitz esperava abrir um espaço para que o espectador pudesse experimentar a fotografia sem associá-la a um determinado tema. Para ele, suas fotos de nuvens eram mais abstratas do que algumas pinturas ditas abstratas, visto que, seu interesse não estava nas formas, pois essas não o interessavam, ao menos que fosse um equivalente exterior de algo já tomando forma dentro dele.

Minhas fotografias de nuvem, minhas Canções do Céu, são equivalentes de minha experiência de vida. Todas minhas fotografias são equivalentes de minha filosofia básica de vida. Toda a arte é mais um quadro de certos relacionamentos básicos; um equivalente da experiência mais profunda da vida do artista. (STIEGLITZ, 1923, p. 255) Tradução nossa.

A partir de Equivalents a fotografia inaugura o despelhamento tão presente na linguagem fotográfica contemporânea. Nesse sentido o objeto do signo da fotografia perde seu compromisso com a indicialidade.

Referências
BARTHES, Roland. A Câmara Clara: nota sobre a fotografia. Trad. Manuela Torres. Lisboa: Edições 70, 1984.
GREENOUGH, Sarah, et al. Modern Art and America: Alfred Stieglitz and his New York Galleries. Washington, D.C.: National Gallery of Art, 2000.
___. In Focus: Alfred Stieglitz; Photographs from the J. Paul Getty Museum. Los Angeles: J. Paul Getty Museum, 1995.
___. Juan Hamilton. Alfred Stieglitz: Photographs and Writings. Washington: National Gallery of Art. 1983.
HIRSCH, Robert. Seizing the Light: A History of Photography. NY: McGraw-Hill. p. 239, 2000.
KRAUSS, Rosalind. O Fotográfico. Trad. Anne Marie Davée. Barcelona: Gustavo Gili, 2002. ___. Stieglitz/"Equivalents”. October. Vol. 11, Essays in Honor of Jay Leyda, Winter, 1979, pp. 129-140, The MIT Press
NORMAN, Dorothy. Alfred Stieglitz – Introduction to an American Seer. New York: Duell, Sloan and Pearce, 1960.
NÖTH, Winfried; SANTAELLA, Lucia. Imagem: Cognição, Semiótica, Mídia. São Paulo: Iluminuras, 1998.
STIEGLITZ, Alfred. Catalog of the Third Exhibition of Photography by Alfred Stieglitz. NY: Anderson Galleries, 1923.
___. The Amateur Photographer & Photography, Vol. 56, No. 1819, p. 255, 1923.


IMAGENS QUE FORAM APRESENTADAS DURANTE A PALESTRA, ACOMPANHANDO O ARTIGO

Stieglitz-SongsSky - 1923



Stieglitz-Songsof the Sky - 1924



Stieglitz-Equivalent 1925



Stieglitz-Equivalent -1926



Stieglitz-Equivalent - 1927




Stieglitz-Equivalent - 1931

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