TEXTO CURATORIAL DA EXPOSIÇÃO
P e r c o g r a f i a s,
i n s c r i t o s
i m a g i n á r i o s
R a o n i G o n d i m
“Quando se evaporou a camada de orvalho que caíra,
apareceu na superfície do deserto uma coisa miúda, granulosa, fina como uma
geada sobre a terra. Tendo visto isso, os israelitas disseram entre si: “que é
isso? “.Pois não sabiam o que era. Disse-lhes Moisés: “Isso é o Pão que Iahweh
vos deu para vosso alimento. [...] Cada um colha dele quanto baste para comer,
um gomor por pessoa [...]“ E os israelitas assim o fizeram; e apanharam uns
mais, outros menos. Quando mediram um gomor, nem aquele que tinha colhido menos
encontrou menos: cada um tinha recolhido o quanto podia comer. Moisés
disse-lhes: “Ninguém guarde para a manhã seguinte”. Mas eles não deram ouvidos
a Moisés, e alguns guardaram para o dia seguinte; porem deu vermes e cheirava
mal. [...] A casa de Israel deu-lhe o nome de maná. Era [...] [de] sabor como
bolo de mel. Disse Moisés: “Eis o que Iahweh ordenou: Dele enchereis um gomor e
o guardareis para para as vossas gerações, para que vejam o pão com que vos
alimentei no deserto [...] Arão o colocou diante do testemunho para ser
conservado”. Êxodo, cap. 16
Depois de ler essa passagem, parei e pensei como o
maná era parecido com a arte contemporânea: não apenas por ser um enviado de
Deus [Iahweh], ou por ser um alimento do deserto, ou por ninguém conseguir
compreendê-lo bem – pois “não sabiam o que era”.
Nem mesmo porque uma parte dele foi imediatamente
posta num museu – “e o guardareis para as vossas gerações; tampouco porque o
seu gosto permaneceu um mistério, uma vez que a frase aqui traduzida como
“sabor como bolo de mel” é na realidade uma suposição; essa palavra hebraica
não ocorre em nenhum outro lugar na literatura antiga e ninguém sabe o que ela
realmente significa. Daí a lenda de que maná tinha o sabor que cada um
desejava; embora viesse de fora, seu sabor na boca era invenção de quem o
provasse.
Mas o que decidiu a analogia com a arte moderna, para
mim, foi esta Ordem: colher do maná todos os dias, de acordo com o que for
comer, e não para conservá-lo como uma garantia ou investimento para o futuro,
fazendo da colheita de cada dia um ato de fé. Leo Steinberg. 2008:16
O CAMINHAR COMO ARTE: DA EXPERIÊNCIA AO OBJETO
O Caminhar como Arte é uma ação que celebra a vida, a
imprevisibilidade, a liberdade e a tudo que não tem um tempo determinado. Ao
Percorrer um território, o artista abre mão das suas certezas para acatar o
acaso.Percursos suscetíveis a tudo que é livre e "novo".
Dos trajetos realizados por Raoni, pouco sabemos,
pois se trata de uma experiência individual que não pode ser compartilhada. É
uma sucessão de qualidades de sentimento; Um vir a ser contínuo.
Assim esta exposição mostra um conjunto de obras de
outro tempo. Não se trata de ilustrações do seu caminhar, mas do que transborda
dessa experiência e do que tangencia a fantasia e a fantasmagoria.
Por ser uma experiência que acontece no instante
presente, como o artista poderia parar o tempo e conduzir o vento, a brisa, o
som das águas? O esplendor do amanhecer e do anoitecer? O som [silêncio] das
cidades e da natureza? O orvalho? O canto dos pássaros? Nessas ações, entre o
movimento e o repouso, arte e vida se encontram em seu cotidiano.
Aqui, nessa Percografia do entre, não se distinguem
os territórios terrestres dos territórios espirituais. E é através dessas
experiências que o artista alimenta o seu processo criativo.
Maria Celeste de Almeida Wanner - março de 2014
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